Belgicismes e o despertar de consciência de Raf Simons


Raf Simons

A notícia mais badalada no mundo da moda veio junto ao desfile da Maison Dior na semana de moda de Paris - 2016. Raf Simons, estilista belga e diretor artístico das coleções femininas da Christian Dior, despediu-se das passarelas ao anunciar que não iria renovar seu contrato com a marca.

O estilista assumiu a Dior, há exatos 3 anos e meio, para tapar o furo da saída escandalosa de John Galliano, diretor artístico na época, que fez comentários racistas e antissemitas dentro de um bar fuleiro, no bairro Marais em Paris (Café La Perle - coincidentemente, visitei o local que acabou ficando famoso em decorrência do que aconteceu), e, em pouco tempo, foi demitido pela direção da marca. Por acaso, o Marais é um bairro judeu e um dos redutos mais badalados e cool, palco também da tragédia contra os jornalistas da revista Charlie Hebdo, por militantes islâmicos em janeiro passado.

E, inexplicavelmente, o estilista "tapou o furo" como ninguém. O triunfo de Raf foi levar seu estilo contemporâneo a uma marca tradicional. E o conjunto da obra superou as expectativas da crítica, arrancando suspiros e aplausos de jornalistas de moda, clientes Dior, fashionistas e formadores de opinião.

Raf Simons para Dior - Semana de Moda de Paris - 2016



Para muitos, a saída de Raf caiu como uma bomba. Quem, em sã consciência, abandonaria uma posição tão desejada, em uma das marcas mais luxuosas, respeitadas e tradicionais do mundo? Foi na Dior que o estilista teve sua maior valorização. Paralelamente, sua marca, homônima, teve acréscimo de mais de 50% nas vendas e, para muitos, Raf Simons era apenas um estilista belga do mundo underground, que fez história nos anos 80 ao participar do Groupe des Six d’Anvers (Antuérpia).

A história me parece surreal, mas os fatos mostram um outro olhar de Raf Simons. A moda é apaixonante e trabalhar com estética e criação é inovador. Mas não imaginamos o quanto ela pode ser cansativa e cair no comum. O superconsumo gera padrões e formas que o tempo não consegue dar conta. Mesmo estando em uma das maisons mais luxuosas e glamourosas da haute couture, Raf estafou e resolveu parar para se envolver exclusivamente com sua marca e com projetos pessoais, uma desaceleração do cotidiano das It Girls e das semanas de moda parisienses.

Analisando melhor, será que o estilista surtou, de vez, abrindo mão de um dos melhores empregos do mundo da moda? Ou ele apenas passou a enxergar as marcas "desejo" com um olhar aprofundado e crítico, relacionando a construção de peças como uma maneira mais simples e natural?

Não podemos crer em certezas a partir do que achamos, mas Raf Simons deixa claro, em suas entrevistas, que apenas deseja ter tempo para dedicar-se à vida pessoal e a outros interesses, incluindo a própria marca.

Raf Simons - Semana de Moda de Paris - 2011



O assunto em questão vai ao encontro do que tenho observado aqui na Bélgica. Existe um movimento na Europa muito forte, que envolve as pequenas coisas e suas comunidades. Isso se revela através da alimentação, da culinária e dos produtos BIO, com formas mais naturais e produção artesanal; da moda, através de pequenos criadores e o retorno ao feito-a-mão e às costureiras; e da palavra, como os belgicismes ou, a tradução da simplicidade em fazer de uma comunidade.

Na culinária, por exemplo, o melhor restaurante do mundo é dinamarquês e fica em Copenhague. O mais belo é belga, de Antuérpia. Está havendo uma descentralização e as coisas não estão mais acontecendo, apenas, em Paris, Londres, São Paulo ou em Nova Iorque, como antigamente. As coisas estão acontecendo no interior e em centros menores, e são produzidas em pequena escala, supervalorizando as marcas locais.

Provavelmente, o despertar de consciência de Raf Simons, ao abandonar a Maison Dior, e os desejos em se dedicar a um projeto menor e local, longe do frenesi parisiense, sejam aspirações do artista em criar, de forma mais simples e detalhada, o novo contexto da moda autoral, no qual a roupa traga, junto à estética, um alto valor emocional e artístico.


Imagens: Fashion Forward
  










Comentários

  1. Excelente texto, reflexão e ponto de vista Ana. Parabéns!

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  2. Muito bom seu texto, claro e preciso. E mesmo quem é leigo no assunto consegue se deliciar com ele e querer mais! Parabéns! Beijo

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  3. Que show este blog! E acho que é mui enriquecedor pra quem está aqui no Brasil, ter relatos de quem é brasileiro e está na Bélgica passando pra nós uma síntese vivenciada e não só o que vemos pela web sem um olhar físico. Vou indicar.

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    1. Obrigada. Justamente, esse é o recado, descrições reais. Indica sim. Bjs.

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  4. Oi Ana, sou blogueira, gaúcha de Porto Alegre e conheci teu blog por indicação do Dilamar, muito bom teu blog e esse post. Acho que no ponto de vista da economia mundial e na vida saudável do planeta esse moimento artesanal, coletivo, colaborativo cresce cada vez mais, a vida do luxo está com seus dias contatos. A saia do Ralf ainda é não é muito claro, mas os pontos de vista do posts são uma reflexão interessante. Esse é meu blog blogescritocombatom.com.br, parabéns e sucesso

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    1. Oi Cris, obrigada pelo comentário. Então, quando estava ainda no Brasil, já percebia uma pequena mudança, através dos projetos colaborativos em Poa, e sempre participava. Aqui na Europa isso é mais forte, as pessoas realmente não compram produtos que não estejam de acordo com o meio ambiente, isso se reflete na moda, na comida, na estética, no cuidado com os animais, etc, etc, etc. Por isso criei os blogs, para externalizar os "meus demônios" e para expor essas diferenças de hábitos. O Brasil ainda está devagar nisso, mas acho que com a coletividade isso vai dar certo, em algum momento. Quem sabe nos encontramos em algum encontro de blogueiras por ai, ano que vem. Será um prazer. Vou acompanhar teu blog.

      Meu outro link: altobaixobe.blogspot.be (aqui falo de assuntos diversos).

      Bisous!

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